9/19/2008

Bravo, Brasil 5

Como já referi numa legenda de uma foto neste post, abandonei a meio o lançamento do meu livro em Uberaba. O Daniel Ricardo Barbosa esteve presente e postou o seu testemunho.

Sobre Poesia e Abandonos

Temos muitos exemplos de personalidades que, por motivos diversos, recusaram prêmios, medalhas de mérito, chaves de cidades; abandonaram ou sequer compareceram a eventos realizados em “sua própria homenagem”. Jean Paul Sartre recusou o Nobel em 1964. Woody Allen recusou-se a ir receber o Oscar em 1978 e Marlon Brandon sequer aceitou a premiação que lhe seria conferida em 1972. Luandino Vieira recusou o Prêmio Camões há 2 anos atrás. O matemático Parelman recusou a Medalha Fields e a exorbitante soma (U$ 1.000.000,00) periodicamente conferida a notáveis das ciências. Vaias e manifestações e até mesmo tiroteios já levaram diversos profissionais ligados à política a abandonarem certos eventos em plena realização dos mesmos.
Por outro lado, quem já não sentiu vontade de abandonar certo concerto, filme, peça teatral, lançamento de livro pela metade? Não sou muito dado a comentar no blog eventos dos quais tomei parte. Este não é um espaço para resenhas de qualquer tipo, porém, estive no evento de lançamento brasileiro-uberabense do livro “As Noites Contadas”, do amigo Vitor Vicente (que seria realizado no último dia 03/09/08), e não posso deixar de dizer algumas palavras sobre os acontecimentos que ali se sucederam – e que tive o privilégio de testemunhar.
Visualizemos a seguinte circunstância: um salão de festas repleto de mesas de ping-pong, sinuca, pimbolim; quatro ou cinco dúzias de estudantes adolescentes cuja maioria decorara com exímia boa vontade o seu quinhão da educação de massa; alguns professores de literatura ou língua portuguesa, também uniformizados, e todos curiosos como quem senta na arquibancada de um circo a fim de assistir às acrobacias dos poodles e dos elefantes; um grupo de teatro contratado por certa instituição, cujos jovens e competentes integrantes, devido às inúmeras atividades que as dificuldades de se trabalhar com cultura num país de incultos, infelizmente pouco tempo tiveram para preparar e mal-interpretaram o tipo de texto mais difícil de ser interpretado (poesia); e para encerrar, o profissional encarregado pela instituição para promover e organizar certos tipos de eventos, cujo nome não citarei, localizado entre néscio e interesseiro, acostumado a se aproveitar de toda e qualquer oportunidade para desviar os holofotes em direção a sua mórbida figura.
É difícil suportar, para alguém com firmes convicções, qualquer que seja o sujeito a abrir a boca e começar o seu discurso bairrista (entendam por bairrista o antônimo de universalista): “Eu faço, eu aconteço, eu posso, eu sou...”. Vitor Vicente (VV) manteve a paciência durante aproximadamente 12 horas, desde o momento em que foi apresentado ao citado sujeito, até o instante em abandonou o que deveria ser o evento de lançamento de seu livro – e que na verdade se transformara num espetáculo com fins que nada tinham a ver com poesia.
“Como eu vou falar sobre poesia neste lugar?”, foi a pergunta que VV dirigiu a mim tão logo começou o imbróglio. Então aguardou o fim da encenação teatral (embora esta não o tenha agradado nem um pouco – apenas para não desmerecer o esforço do grupo, que, em todos os casos, tinha o direito de se equivocar quanto à leitura dos textos), e abandonou o evento tão logo o tal promotor de eventos de caráter duvidoso (e uso pouca adjetivação para não parecer leviano) dirigiu-se ao microfone a fim de retomar a palavra e dar prosseguimento ao espetáculo que organizara (segundo a conclusão do próprio VV: organizara em prol de sua notoriedade e não do lançamento de um livro de poesias). Agindo assim Vitor dirigiu suas críticas diretamente à pessoa que se mostrou criticável.
Muitas vezes práticas como o “toma lá dá cá” são culturamente aceitas e até se faz apologia sobre elas. Não é uma questão de nacionalidade, mas de ética (ou falta de). Isto mesmo quando reportamos o mais corriqueiro dos acontecimentos. Acostuma-se e chega-se ao absurdo de julgar justa uma troca que na verdade fere a verdade. “Eu monto o palco para você e você permite a minha presença sobre o mesmo.”
Não sei se teria coragem de abandonar tal palco montado à minha revelia. Já permaneci numa sala de cinema mesmo após confirmar que o filme não me agradava nem um pouco. Já vi integralmente peças de teatro que me irritaram desde o início. Já li livros que esgotaram a minha paciência desde a primeira página. Não quis desgostar a companhia da poltrona ao lado. Dei crédito ao autor do livro por não querer acreditar que um texto poderia ser de todo nulo. Conhecia os nomes dos rostos dos atores a representarem o que fosse (e no caso atual tenho simpatia pelas pessoas por detrás dos rostos, e sei que estas pessoas sempre e com honestidade se esforçam por fazer o melhor – e na maioria das vezes o fazem – como Cássia, Daniellen, Lívia...), e não quis desgostar seus donos.
Por fim tirei lições por ter permanecido na sala de cinema, teatro, cama (onde na maioria das vezes costumo ler – entre outras coisas). Não me arrependo dos filmes, peças, livros chatos (embora hoje tenha menos paciência com eles), pois sei que qualquer circunstância nos serve para se observar a verdade. Depende exclusivamente do observador.
Também já me colocaram em situações que me constrangiam e permaneci ali até o fim. Os motivos que me levaram à imobilidade são diversos e prefiro reservá-los só para mim. De qualquer maneira, no entato, agradeço ao Vitor Vicente por ter me dado algo mais a contar aos netos (se eles vierem), ou para contar nas noites, para mim mesmo. Testemunhei algo singular e talvez nunca mais tenha a oportunidade de ver alguém abandonar o seu próprio lançamento de um livro – e depois comemorar durante o “verdadeiro lançamento”. Agradeço por ter visto o verdadeiro VV falar de sua poesia através de atos ao invés de palavras. Afinal acho mais cômodo recusar o Prêmio Nobel ou o Oscar.

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