4/26/2009

Prefácio I



Esta é a capa de "Poemas a Teresa", o livro de estreia do Jorge Peso Villanueva, meu amigo e colega do aeroporto da Catalunya.

Como o livro não tem distribuição em Portugal, passo a transcrever o prefácio (traduzido para castelhano, na versão em papel.)

Amar para assegurar o amanhecer

I

Quando cheguei à Catalunha, cerca de dois anos e meio atrás, trazia comigo um património de perguntas para o responsável por me pôr a percorrer a Península de uma ponta à outra. Algumas delas, tinham que ver com isto do Aqui e do Agora; pois o imperativo da sobrevivência impôs-se-me como nunca antes se me atravessara nas minhas itinerâncias.
Algo, todavia, transcendera as inquietações do imediato e do instantâneo.
Então, perguntei ao Zé Paulo, assim se chama o responsável, como levava ele o do amor, como o levava adiante.
De alma aberta, o meu amigo abriu-se comigo como só os livros que nos são tão íntimos como espelhos se podem abrir:
- Tento ver a Inês todos os dias, como quando a vi no primeiro dia.
A conversa continuou. Eu com os meus amores de bom porto em bom menos porto, o Zé Paulo ancorado à madrileña Inês como Pedro à sua homónima amada.
Estava eu longe de imaginar que, no decurso desta viagem por uma cidade com cidades dentro que tem sido a minha vida em Barcelona, fosse deparar com outra pessoa mais que me dissesse o mesmo.
Que me dissesse e o tivesse escrito.
Logo a abrir, no primeiro poema de “Poemas a Teresa”, o Jorge Peso Vilanueva, até então Jorge, o vigilante nas noites ermas do terminal C do aeroporto de El Prat de Llobregat, encontra o lugar do amor no

“caminho de um novo amanhecer”.


II

O saber amar ocupa lugar neste poemário. Ocupa vários lugares, senão mesmo todo o lugar neste poemário, se quisermos ser mais abrangentes. Ocupa o lugar omnisciente, se lhe queremos elevar a uma índole divina, tal a importância.
Descidos à terra, à natureza física, pois é do lugar do amor carnal que aqui se canta, citemos alguns lugares atribuídos ao amor:

“Geografia do leito e da eternidade”

“Barro onde soltar as minhas raízes”

“Pátria do apátrida”

Este último reporta-nos para o outro livro, “O caminhante e o nada” do Jorge, e que, em boa hora, vê a luz do dia. Nesse poemário, além do amor, temos também temas não menos caros ao Romantismo: a natureza e os animais. Centremo-nos, todavia, nos “Poemas a Teresa”. Citemos um par de estrofes:

“Este ano as rosas são mais rosas
e o verão de nossas vidas
se converteu em primavera para ti.”

“Os animais conhecem-te bem
e desejam-te
porque és como eles.
Eles, os animais não conhecem o mal,
porque no seu mundo o mal não é.
Como no teu mundo.
Os animais não sentem ódio,
não sabem o que é,
porque eles são amor.
Como tu.”

Há ainda lugar a sentires:

“Sentir que dois é um e um é dois”.

E a certezas:

“ Ah e a certeza de que tudo se transforma
em essências”

E a certeza final, convertida em essência primeira:

“Tu e eu(…)
eterna esencia da alma
que florescerá da terra para sempre.”


III

Mas quem é a Teresa?
Seguramente que é quem leva o poeta para longe

“…deste mundo ermo e escuro.”

Supomos ser a modela da foto da capa, com um cão entre braços e a natureza em todo o seu esplendor como pano de fundo.
Se quisermos esgaravatar na tradição da Teresa, além de que ramifica na Árvore Genealógica dos Românticos, encontraríamos também a Beatriz do Dante, a Julieta do Shakespeare e inominável musa de “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada”, do Neruda, inominável por ser tudo, como a mulher-mundo dos surrealistas mais líricos como o Eluard pós-Gala ou do Dali pré-Gala (de quem o Jorge se aproxima nas suas pinturas das paisagens catalãs) ou dos mais loucos como o Breton.
O Jorge consegue ser tão clássico como os românticos. E tão moderno como os surrealistas, esses re-românticos. Isto acrescido a uma naturalidade na veia de um Neruda, bem patente no convite com que inicia os poemas à sua musa, simultaneamente o mote lançado ao leitor:

“Ao som de uma música pagã
Quero dançar contigo
A dança da liberdade”.

IV

A sabedoria popular, também aqui, e porque não?, chamada, costuma fazer do chacota do amor: o amor é cego!
Cego, apesar de só ver por um olho, não era certamente o poeta português Camões. A imortalidade valeu-lhe desses versos que andam, hoje, de boca em boca:
“Amor é fogo que arde sem se ver”.

Quanto à cegueira poética e apaixonada do Jorge, viu, e viu muito bem, que o amor não é senão:

“cego que vê”.

Vitor Vicente,
Vilanova i la Geltrú, 2 de Março de 2009

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