1/14/2009

Privado feito público I

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Olga estava intrigada com uma situação que lhe ocorrera durante um acto sexual com o seu companheiro. Será que os casais com uma relação idêntica à dela, consideravelmente longa e saturada por todo o tipo de acontecimentos desprezíveis, ainda se olham como marido e mulher ou, por força da intimidade social (sexo, filhos e discussões), começam a revelar-se como dois irmãos mais velhos sobrecarregados de problemas familiares de difícil resolução?
No campo da sexualidade é um desconforto pensar-se que o casal gere os destinos da família e os prazeres dos lençóis como seres do mesmo sangue. No entanto, Olga sentia-se afectada por essa proximidade familiar e conjugal. Consciente do respeito paranóico que sentia por ele durante o acto sexual, nunca Olga conseguira libertar-se totalmente e revelar a mulher possante que existia dentro de si.
O respeito é um sentimento insolúvel quando se trata de sexo. É também um péssimo digestivo sexual. Uma mulher que vai para a cama com a sensação de respeito em relação à sua própria sexualidade, ou é santa ou mentirosa. Se é santa, oferece ao seu companheiro o altar do seu corpo e os gemidos de prazer são rezas interiores que murmuram no seu coração; mas se for mentirosa, deixar-se-á possuir por trás, resguardada do olhar de quem a fode.
Olga tinha uma fantasia que provava isso mesmo: imaginava-se deitada no seu quarto quando era visitada por um amante imprevisível: nem sonho nem pesadelo. Fantasia posta de parte, Olga transformava-se na mulher que a objectiva conjugal tinha pudor em registar. Exposta na cama numa configuração carnal do pecado, argumentando um desejo de masturbação irresistível, o seu corpo era o enigma sagrado da sexualidade reprimida. A sua imaginação tomava a forma de uma farsa da própria sexualidade. E Olga entregava-se à fantasia com todo o seu delírio e perdição.
O que sobrava para o marido, na monotonia das noites intermináveis, não ia além da nudez familiar de Olga e da sua respeitabilidade sexual.

Fernando Esteves Pinto, in Privado

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